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Brumadinho 2 anos: ações da Vale (VALE3) subiram 140%, enquanto se discute indenização

Brumadinho 2 anos: ações da Vale (VALE3) subiram 140%, enquanto se discute indenização

Nesse dia 25 de janeiro, completam-se dois anos desde a tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 270 vítimas entre mortos e desaparecidos. Mesmo após o segundo incidente, que se seguiu a Mariana (MG), em 2015, a Vale continua sendo uma das maiores empresas brasileiras.

“A Vale está de pé, com a imagem arranhada, mas bem financeiramente, com uma dívida praticamente zerada”, comentou Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Asset Corretora.

O especialista explica que as ações da mineradora continuam atrativas ao investidor do ponto de vista financeiro. Afinal, a Vale voltou a distribuir dividendos altos aos seus acionistas em 2020, mesmo sem ainda ter pago indenizações às vítimas da tragédia.

Comportamento das ações da Vale desde as tragédias

No dia 5 de novembro de 2015, houve o rompimento da barragem de minério em Mariana. Daquele dia até o dia 2 de fevereiro de 2016, o papel da Vale teve queda de 50,57%. Passado esse período de instabilidade e susto, do dia 2 de fevereiro de 2016 até 21 de janeiro de 2021 a ação ordinária da Vale valorizou 1.169,01%.

Menos de três anos depois da tragédia de Mariana, o rompimento da barragem de Brumadinho aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019. Dessa vez, o período de queda das ações foi muito menor e o mercado ponderou o bom desempenho da mineradora.

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As ações da Vale tiveram queda de -25,93%  do dia 25 de janeiro até o dia 7 de fevereiro de 2019. E de 7 de fevereiro de 2019 até 21 de janeiro de 2020, o papel se valoriza 140,06%.

“Os preços atuais mostram que não há impacto nenhum das tragédias nas ações da Vale. O impacto foi muito mais psicológico, no momento da tragédia, as pessoas saíram vendendo suas ações e os preços caíram”, comenta Pedro Ivo, economista que opera no mercado financeiro há mais de 20 anos.

“Infelizmente, podemos dizer até que houve algum impacto positivo, do ponto de vista financeiro dos acionistas. Isso porque, por a Vale gastar tão pouco com barragens, segurança e indenizações, ela dá mais lucro aos acionistas. É estranho dizer isso, mas é o que eu vejo nos preços da companhia hoje”, complementou.

Nos nove meses de 2020 a Vale registra lucro de US$ 3,88 bilhões que é o maior de uma empresa de capital aberto da América Latina.

"Comportamento

Ciclo de commodities deve beneficiar as ações  da Vale

Além da busca por papéis visando os rendimentos que voltaram a ser distribuídos em 2020, um dos fatores que beneficiou a Vale e gerou valorização das ações é que, atualmente, vive-se um novo ciclo de commodities.

As commodities vinham de um ciclo de dez anos de baixa. Desde o ano passado, no entanto, tiveram uma inversão. Por conta disso, temos visto estrangeiros voltarem a comprar ativos da bolsa brasileira.

“Como os ciclos das commodities tendem a ser longos, isso nos indica que o Brasil vai se beneficiar disso por muitos anos. E com essa maior compra de commodities, as empresas relacionadas a elas, como a Vale, vão se beneficiar”, lembra o economista.

Demora nas indenizações às vítimas de Brumadinho

A Vale e o governo de Minas Gerais não chegaram a um acordo global sobre reparações pelo desastre de Brumadinho. Na última audiência, que aconteceu em 21 de janeiro, as negociações foram encerradas, disse o secretário-geral da administração estadual, Mateus Simões.

“Estamos saindo da última audiência de mediação com a Vale. Última porque não haverá uma nova audiência”, afirmou ele. “No entanto, foi dado um prazo de uma semana para que a Vale possa apresentar uma nova proposta de valor. É o momento de a Vale agir com responsabilidade, agir com dignidade e reparar os danos que foram causados”, acrescentou.

Dessa forma, segundo ele, um processo em que o governo estadual e outras autoridades pedem reparações à companhia deverá voltar a tramitar na primeira instância a partir do início de fevereiro, aguardando sentença.

Vale terá até dia 29 para apresentar proposta

A Vale terá até dia 29 de janeiro para apresentar uma proposta que atenda às expectativas do executivo estadual. Do contrário, o processo que julga a tragédia retomará sua tramitação normal na primeira instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e caberá ao juiz Elton Pupo Nogueira sentenciar os termos da reparação.

“Não vamos nos lançar num leilão para definir o valor desse acordo. Os projetos que foram apresentados somam um valor que é o mínimo necessário para garantir a recomposição dos danos gravíssimos que foram causados. Discutir os valores como se estivéssemos dando lances não será aceito pelo estado”, disse Mateus Simões.

Negociações

O secretário-geral também afirmou se incomodar com o tom usando pelos representantes da Vale. “Soa como se ela estivesse dando um presente a Minas Gerais”, disse.

“Que ela entenda que esse acordo será celebrado como o maior acordo da história do Brasil ou a condenação virá como a maior  da história do Brasil. Cabe à empresa decidir se ela quer passar para a história como aquela que, reconhecendo o que fez, resolveu reparar os danos ou que, não reconhecendo o que fez, irá esperar ser condenada”.

Além de representantes da empresa e do governo de Minas Gerais, as negociações sobre Brumadinho envolvem o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do estado.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também esteve em Belo Horizonte para discutir o tema. Se reuniu com o governador Romeu Zema e com representantes das instituições de Justiça envolvidas nas tratativas. O MPMG divulgou nota dizendo que as negociações estão encerradas.

“As instituições não podem abrir mão de que a Vale faça o ressarcimento completo de todo o dano resultante da tragédia, ou seja, reparação integral do meio ambiente, ressarcimento ao Estado e atendimento aos atingidos”, diz o texto.

Posicionamento da Vale

Por sua vez, a Vale afirmou ter confiança no Poder Judiciário. Em nota, a empresa disse que já desembolsou R$ 10 bilhões no processo de reparação aos danos causados a Brumadinho. E também disse que vem prestando assistência aos atingidos por meio de ações diretas nas regiões e de acordos individuais.

“A Vale reconhece, desde o dia do rompimento, sua responsabilidade pela reparação integral dos danos causados. Embora as partes não tenham chegado a consenso, a divergência concentra-se em aspectos relacionados a valores a serem pagos e à sua destinação.”, diz a nota.

“A Vale continuará a cumprir integralmente sua obrigação de reparar e indenizar as pessoas, bem como de promover a reparação do meio ambiente, independentemente de haver condenação ou acordo”, acrescenta o texto.

Ação civil pública e indenização

As negociações vinham se arrastando em diversas audiências dentro de uma ação civil pública. O Ministério Público de Minas Gerais pedia inicialmente uma indenização de R$ 54 bilhões.

Desse montante, R$ 28 bilhões seriam para cobrir danos morais sociais e coletivos. Os R$ 26 bilhões restantes se referiam às perdas econômicas. Conforme apontou um estudo da Fundação João Pinheiro, instituição de pesquisa e ensino vinculada ao estado de Minas Gerais.

O valor da última contraproposta da mineradora não foi revelado. No início das tratativas, ela ofereceu R$ 21 bilhões.

Além dos valores, outro ponto chave das negociações era a governança dos projetos de reparação. Um consenso em torno dessa questão foi alcançado em audiência realizada no fim do ano passado.

Atingidos

Os atingidos vinham criticando o processo de negociação do acordo. Eles realizaram diversas manifestações na porta do TJMG nos dias agendados para as audiências.

A principal crítica dizia respeito à falta de transparência. Como as negociações vinham se dando sob o princípio da confidencialidade, apenas os participantes das tratativas tiveram conhecimento dos detalhes. Não foram tornados públicos os projetos que estavam em discussão.

As três organizações que foram escolhidas pelos próprios atingidos da tragédia de Brumadinho para assessorá-los – a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e o Instituto Guaicuy – chegaram a publicar um documento pleiteando que todos os termos do acordo sejam tornados públicos. Também cobravam a criação de espaços abertos para discuti-lo.

Lista de medidas

No início do mês, a Aedas também apresentou uma lista com 220 medidas prioritárias para a reparação dos danos em Brumadinho.

O levantamento foi feito após um processo que teve a participação de 4.067 atingidos. A matriz emergencial de medidas reparatórias, como foi chamado o documento, divide as demandas em oito categorias. Comunicação e acesso à informação; água; moradia; infraestrutura e serviços públicos; trabalho; mulheres, crianças e adolescentes; meio ambiente; e danos morais e materiais.

A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum), entidade criada pelos familiares dos mortos na tragédia, avalia que o acordo vinha sendo negociado num momento em que se nota uma redução dos esforços para encontrar os desparecidos.

“Tem 11 pessoas para serem encontradas. Essa deveria ser a prioridade. As famílias estão se sentindo desamparadas. Enquanto um acordo bilionário é negociado, os investimentos nas buscas são reduzidos. Famílias estão desesperadas para ter o encontro dos seus”, disse Josiane Melo, presidente da entidade.

O que a tragédia de Brumadinho diz para o investidor?

Apesar da forte valorização das ações da Vale nos últimos anos, que vem descolada de qualquer relação com as tragédias, e do ciclo de commodities, que vai favorecer o minério de ferro, Brumadinho e Mariana ficarão para sempre vinculados à imagem da empresa. Tanto pelo desastre em si quanto pelo comportamento da empresa nas negociações posteriores.

E isto é especialmente negativo quando vem ganhando forma uma tendência de investimento em empresas ambiental e socialmente responsáveis. Trata-se do chamado “investimento de impacto”, vinculado à sigla ESG, abreviação de Environmental, Social and Governance. O conceito indica o grau de comprometimento de uma empresa com questões ambientais, sociais e de governança.

O movimento por trás dela incentiva o investidor a direcionar recursos para empresas que, além de gerar retorno financeiro, estejam preocupadas com a sociedade e com o meio ambiente. “O ESG veio para ficar. É uma tendência muito forte. A indústria toda vai ter que se atualizar”, diz Paulo de Souza, sócio da EQI Investimentos.

Para ele, o investidor brasileiro ainda não se deu conta dessa mudança, mas é por pouco tempo. Até porque, a pressão em relação às questões ambientais tem crescido em todo o mundo. Ganhou ainda mais força com a eleição de Biden nos Estados Unidos. O democrata tem como discurso uma ação mais rígida no controle de desastres ambientais.

Vale se mostra atrasada e negligente do ponto de vista ESG

A Vale demonstra ainda não se atentar às questões ESG. Afinal, a empresa investiu em publicidade para se redimir, mas não tomou atitudes mínimas de reparo aos danos que causou à sociedade e ao meio ambiente. Recentemente, também se envolveu em casos de corrupção.

“Em relação à governança e direção, eu acho que não mudou nada na Vale, muito pelo contrário. Eles voltaram a pagar dividendos em 2020, que é o que o acionista gosta”, comentou Pedro Ivo.

Ainda que sem impacto no momento, a “mancha” no currículo da Vale em relação à Brumadinho e Mariana tende a ter um peso ainda maior na decisão de compra do investidor no futuro. Principalmente se considerarmos que as gerações mais jovens se preocupam cada vez mais com o impacto de seus investimentos. Consequentemente, isso será sentido no bolso das empresas no longo prazo.

Como identificar as empresas que apostam em ESG?

Para o investidor que deseja direcionar seus recursos para investimentos de impacto, é preciso buscar “selos” que atestem as boas práticas.

Por exemplo, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e o Índice de Carbono Eficiente (ICO2) da bolsa de valores brasileira. Há também os índices ligados à governança corporativa – IGC, ITAG, IGCT e IGC-NM.

As empresas brasileiras listadas no Dow Jones Sustainability Index (DJSI) da bolsa americana também são indicadas. Isso porque precisam atender a diversos critérios para estar em um grupo bastante seleto.

Além disso, a transparência das empresas deve ser levada em conta. “Uma prestação de contas sobre gaps existentes e como estão sendo endereçados também é uma clara demonstração do comprometimento”, orienta Meire Ferreira, da Grant Thornton Brasil.

Há ainda no mercado os fundos compostos apenas por empresas selecionadas que atendam a critérios mensuráveis de ESG.