O governo federal publicou nesta segunda-feira (28) uma medida provisória (MP) para centralizar a gestão da crise hídrica, dando mais poder de atuação ao Ministério de Minas e Energia. A MP 1.055/21 foi publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União (DOU) permitindo “procedimentos competitivos simplificados”, sem especificação, para a contratação de energia elétrica.
Assim, fica aberta a possibilidade de o governo contratar energia com caráter emergencial e sem leilão. A ideia é garantir a segurança ao sistema elétrico, especialmente em um cenário de retomada da economia, diante do avanço, mesmo que lento da vacinação, o que poderia gerar um maior consumo.
Criou-se com a MP a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), que contará com a participação do Ministério da Economia. A Creg funcionará excepcionalmente até dezembro deste ano. Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que o comando da crise “preserva as competências” de órgãos e entidades dos setores.
A Creg
O colegiado poderá definir diretrizes obrigatórias para, segundo O Globo, “em caráter excepcional e temporário, estabelecer limites de uso, armazenamento e vazão das usinas hidrelétricas e eventuais medidas mitigadoras associadas”.
Assim, a MP tira poderes da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Ibama na gestão dos reservatórios, por conta da crise.
Uma das principais medidas para a crise é a redução da vazão nas hidrelétricas, liberando menos água que o previsto e o necessário. O objetivo é guardar água e chegar ao período das chuvas, previsto para começar em novembro, com um volume de salvaguarda nos reservatórios.
A Creg grupo será comandado pelo ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, e contará também com os ministros da Economia, da Agricultura, da Infraestrutura e do Meio Ambiente.
O jornal O Globo informa que “a MP permite à Câmara requisitar e estabelecer prazos para encaminhamento de informações e subsídios técnicos aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta e indireta, ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e aos concessionários de geração de energia elétrica”.
Há ainda a possibilidade de um novo encargo nas contas de luz.
Racionamento de energia
Chama atenção o fato do texto não tratar da possibilidade de racionamento de energia, uma preocupação cada vez maior, ainda mais no momento do ano em que há menos chuvas. O governo federal sempre negou a possibilidade de racionamento.
Os reservatórios das hidrelétricas estão em níveis historicamente mais baixos, com o pior período de seca em 91 anos de medição do sistema elétrico.
Na noite desta segunda, Albuquerque fez um pronunciamento em rede de rádio e televisão, pedino à população “uso consciente” de água e energia elétrica. É o que foi entendido como “racionamento voluntário”. Com o apoio da população, segundo Albuquerque, poderá reduzir a crise no sistema elétrico e, por tabela, o custo da energia gerada.
O ministro evitou usar o termo “racionamento”.
“Para aumentar nossa segurança energética, é fundamental que, além dos setores do comércio, de serviços e da indústria, a sociedade brasileira participe desse esforço, evitando desperdícios no consumo de energia elétrica. Com isso, conseguiremos minimizar os impactos no dia a dia da população”, disse.
“Precisamos deixar claro que o sistema elétrico brasileiro evoluiu muito nos últimos anos. Hoje temos um setor elétrico robusto, que nos traz garantia do fornecimento de energia elétrica aos brasileiros”, afirmou, apesar da crise hídrica cada vez mais grave.
Seca
Os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, que são responsáveis por 70% da geração de energia do país, estão no limite. Atualmente, contam com apenas 30,2% de sua capacidade.
O ministro alertou para a necessidade de medidas que evitem apagões e que tire o país da dependência dos períodos de chuvas, que normalmente acontece no verão: “se nada for feito, há uma condição bastante desfavorável ao final desse ano, em novembro e dezembro, com os nossos reservatórios abaixo de 20%”.
Luz mais cara
O brasileiro talvez acabe adotando o racionamento voluntariamente, mas não porque o ministro pediu. É porque a conta de luz segue mais cara, com a bandeira vermelha 2, durante o mês de julho.
Segundo a CNN reportou hoje, “cálculos de quem participa da discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica apontam que a tarifa cobrada pela bandeira vermelha 2 na conta de luz pode sofrer reajuste de cerca de 76%. A tarifa do patamar mais alto, que atualmente é de R$ 6,24 para cada 100kwh consumidos, pode passar de R$ 11. O anúncio do novo valor está previsto para esta terça-feira, dia 29. Este patamar mais alto reflete a disparada no custo de geração de energia no país”.
Ultimamente, com os reservatórios mais baixos, a geração tem sido garantida pelo acionamento das termelétricas movidas a gás, carvão e óleo combustível, que são bem mais caras.
Eletrobras (ELET3 ELET6)
A crise hídrica veio a calhar para o governo conseguir fazer andar a privatização da Eletrobras (ELET3 ELET6).
A Câmara dos Deputados aprovou semana passada, por 258 votos 136, a medida provisória (MP) que permite a privatização da Eletrobras. A proposta havia sido aprovada pelo Senado Federal. O teor do que foi aprovado hoje, entretanto, deve parar na Justiça.
O projeto que agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi uma vitória do governo, especialmente do ministro Paulo Guedes, da Economia. Mas não foi uma vitória fácil: o governo teve que ceder à pressão de todos os lados, especialmente de parlamentares e empresas do setor de energia. E teve que apelar para o fantasma da crise hídrica, como se a privatização fosse uma das soluções imediatas.
Impacto nas ações
Com os preços elevados pela bandeira vermelha 2, o cenário energético adverso pode impactar ações de algumas empresas de energia.
Semana passada, o Índice de Energia Elétrica (IEE), da B3, chegou a cair 0,82% no dia 22. O IEE é composto pelas ações de 23 companhias do setor de energia. Naquele dia, as maiores quedas foram a Equatorial Energia (EQTL3), que caiu 2,09%, e a Cemig, que recuou 1,98%.
Relatório do Banco Inter (BIDI11) também aponta que Equatorial teve uma queda de 2%. Outra empresa que registrou desvalorização das ações foi a Taesa (TAEE11), que caiu 1%. Apesar das quedas, o rating das duas companhias é de avaliação neutra.