A deterioração do cenário fiscal nas últimas semanas, com maior fragilidade no Teto dos Gastos, promoveu maior abertura da curva de juros. Assim, o ciclo de alta da Selic tem ganhado maior intensidade e a incerteza fiscal deve ficar no radar por mais tempo, afirma o BTG Pactual (BPAC11) em análise.
“O evento se soma aos choques inflacionários já existentes e segue gerando expectativas de inflação distantes da meta em 2022 e, em menor intensidade, 2023. Vale pontuar também uma inflação implícita mais elevada ao longo de toda curva de juro brasileira. Como reflexo, o mercado já precificou juros mais altos nos próximos meses e, nesse sentido, projetamos Selic de 11,75% em 2022”, destacam os analistas do BTG Álvaro Frasson, Arthur Mota, Leonardo Paiva e Luiza Paparounis.
Curva de juros perdeu inclinação e aumentou atratividade da ponta curta
Apesar dos juros mais longos também estarem com taxas elevadas, a diferença entre as taxas longas e curtas (spread) está negativa, mudando a inclinação da curva de juros brasileira.
Nesse sentido, o BTG continua vendo maior atratividade de novas alocações em títulos com vencimentos mais curtos e intermediários. Uma maior rentabilidade alinhada à uma menor volatilidade justifica a tese para o momento de incerteza.
“Portanto, reforçamos nossa visão de que títulos de renda fixa (públicos e privados) com vencimentos até 2028 estão mais atrativos, ou seja, o ponto de entrada neste momento é favorável”, afirma o BTG.
Ciclo mais intenso de Selic e inflação “fugindo” da meta até 2023
No âmbito doméstico, o risco inflacionário advindo de uma piora da crise hídrica perdeu peso dado um começo de período úmido bastante robusto.
Por outro lado, ainda assim o balanço de risco piorou nas últimas semanas, sobretudo por uma nova rodada de desvalorização do Real e a desencorajem das expectativas de inflação nos próximos anos, diz o BTG.
A incerteza fiscal envolvendo o Orçamento e o ano eleitoral, bem como a sinalização inicial de mudança de regime fiscal são os vetores dessa piora.
Assim, a mediana do mercado no FOCUS já precifica um IPCA fora da meta para 2022 (4,6%) e ameaçando 2023 (3,27%).
Há ainda uma expectativa de pressão nos itens ligados à reabertura do setor de serviços nos próximos meses. Portanto, o BTG segue enxergando a necessidade de um ciclo mais duro de elevação da Selic – que deve encerrar 2021 em 9,25% e alcançar 11,75% em 2022. Como consequência desses fatores, o BTG revisou o crescimento de PIB em 2022 de 1,2% para 0,4%.
Curva de Juros: revivendo a inversão do curto x longo
A inversão da curva de juros não era vista desde o ciclo de alta anterior da Selic.
“A curva de juros brasileira voltou a apresentar vencimentos curtos com juros mais longos do que vencimentos médios e longos, algo não verificado desde a saída da última crise em 2017. O ambiente é de abertura da curva, com perda de inclinação (o chamado bear flattener)”, afirma o BTG.
Usualmente esse movimento reflete uma percepção do mercado de dois pontos:
- O patamar contracionista da Selic (que influencia a ponta curta) vai promover uma forte desaceleração da atividade econômica, reduzindo a pressão inflacionária e a necessidade de um juro esticado por muito mais tempo – o que comprime os vértices avançados;
- O Banco Central vai reconquistar sua credibilidade com o ciclo de juro atual, reduzindo o prêmio pela inflação na curva de juro – parte intermediária e longa.
Mercado precifica incerteza maior no curto do que no longo prazo
Com o avanço da preocupação inflacionária no mundo, o BTG percebe uma pressão para abertura das taxas mais curtas nos principais mercados, mas em especial nas economias que passam por algum momento frágil.
Isso reforça o fato de que o movimento de achatamento da curva nominal (vindo de inflação implícita e juro real) não é exclusivo do Brasil.
Desde o início deste semestre, a percepção de um ciclo maior de alta da Selic e a incerteza fiscal promoveram um movimento paralelo da curva de juros nominal (Pré x DI) em média de 2 p.p. (200bps). Esse movimento foi mais concentrado nos vértices iniciais (front end).
O BTG entende que os prêmios estão bem atrativos na curva Pré, sobretudo na parte intermediária, mas ainda não enxergamos o ciclo final de reprecificação da Selic na curva.
“Ainda vemos pressões inflacionárias locais e globais que podem seguir gerando volatilidade ao longo da curva nominal”, afirmam os analistas.
Juro real longo do Brasil abriu mesmo com um cenário externo “confortável”
A abertura da curva de juro real foi motivada pela maior percepção de risco doméstico – com o CDS de 5 anos do Brasil saindo de 200 pontos em meados de outubro para um patamar acima de 235 pontos no início deste mês de novembro.
Assim, o BTG continua destacando que a aceleração do juro real ficou mais concentrada nas taxas de curta e, em alguma medida, nas de média duração. Dessa forma, o prêmio de risco dos vértices longos versus os curtos (spread entre as taxas) ficou cada vez menor ao longo deste ano.
“Dada a volatilidade maior, para um prêmio menor, vemos menor atratividade em alocações em vértices mais longos. Entendemos que o momento demanda proteção para a incerteza do cenário de inflação e nos chama atenção a menor inclinação da curva de juros real entre a realidade de outubro e a atual precificação. Caso enfrentemos uma nova piora da percepção fiscal ou movimentos externos, entendemos que alocações na parte curta e intermediária da curva serão menos impactadas e apresentam o melhor carrego do momento”, destaca o BTG.
Cenário global
A preocupação com a continuidade dos atrasos nas cadeias produtivas, além de uma pressão de custos com energia e também a dificuldade em encontrar trabalhadores têm gerado uma percepção inflacionária global mais intensa.
“O fato tem se refletido em inflações implícitas mais elevadas ao longo das principais curvas de juros (destaque para EUA e Zona do Euro). Esse cenário é reforçado por um ambiente de crescimento ainda elevado, sobretudo por parte da economia americana”, afirma o BTG.
Como produto desses vetores, os Bancos Centrais já começaram a ajustar marginalmente seus guidances de política monetária, com destaque para o Federal Reserve e a já anunciada redução do programa de compra de ativos.
“Tais movimentos reforçaram a discussão e precificação de altas de juros mais cedo do que o esperado não só nos EUA, mas em outras economias desenvolvidas também”, reforçam os analistas.
As principais economias globais começaram a revisitar o atual estágio da política monetária, após o principal choque do Covid ter ficado para trás e a pressão inflacionária se mostrar mais persistente. Enquanto as economias emergentes já saíram na frente com alta de juros, destaque agora fica para a mudança de tom em economias desenvolvidas, como Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos.
No caso americano, a redução do programa de compra de ativos já foi anunciada e ativou um cronometro para o cenário de alta de juros.
“Destaque para uma maior precificação de alta no 2º semestre de 2022 e entendemos que essa elevação deve começar na reunião de julho. Esse é o principal evento do próximo ano e já está cada vez mais impactando as demais estruturas de juros no mundo”, afirma o BTG.
Assim, os analistas veem a economia global enfrentando problemas nas cadeias de produção e atrasos logísticos, impactando o preço dos bens intermediários e finais – o que deve durar até pelo menos o 1º semestre de 2022 – conforme o próprio Fed aponta. Além disso, a dificuldade de encontrar trabalhadores seguirá pressionando os salários nos EUA.
Estratégias de investimentos para o momento, segundo o BTG
Dados os desafios globais e domésticos mapeados e a menor inclinação atual da curva de juros, o BTG continua enxergando maior atratividade nas alocações em títulos ao longo da parte inicial e intermediária da curva de juros.
“O balanço entre risco e retorno esperado nestes vencimentos é o mais eficiente”, diz o banco.
Assim, os analistas seguem ativos no call de alocação em inflação (NTN-B) entre os vértices de 2024 e 2028, com uma duration média da estratégia de até 4,5 anos.
“Recomendamos também a alocação em títulos privados nesses vencimentos”, afirmam os analistas.